2010-01-20

Aprende a escrever na areia

Seleções de Malba Tahan O seguinte texto foi extraído do livro Mil Histórias sem Fim, ISBN 85-01-02457-0, e é projeto pela Lei de Direitos Autorais, portanto nem sei se poderia reproduzi-lo aqui.

Mas, como ele foi publicado em 1957 e o que faço aqui é praticamente um propaganda do livro (COMPRA! COMPRA! COMPRA!), acho que os detentores dos direitos não devem se incomodar.

Esse trecho é o que considero o melhor conto de Malba Tahan, então segue aqui como um incentivo:

Dois amigos, Mussa e Nagib, viajavam pelas extensas estradas que circulam as tristes e sombrias montanhas da Pérsia. Ambos se faziam acompanhar de seus ajudantes, servos e caravaneiros.

Chegaram, certa manhã, às margens de um grande rio, barrento e impetuoso, em cujo seio a morte espreitava os mais afoitos e temerários.

Era preciso transpor a corrente ameaçadora. Ao saltar, porém, de uma pedra, o jovem Mussa foi infeliz. Falseando-lhe o pé, precipitou-se no torvelinho espumejante das águas em revolta.

Teria ali perecido, arrastado para o abismo, se não fosse Nagib.

Êste, sem um instante de hesitação, atirou-se à correnteza e, lutando furiosamente, conseguiu trazer a salvo o companheiro de jornada.

— Que fêz Mussa?

Chamou, no mesmo instante, os seus mais hábeis servos e ordenou-lhes gravassem na face mais lisa de uma grande pedra, que perto se erguia, esta legenda admirável:

«Viandante! Neste lugar, durante uma jornada, Nagib salvou, heròicamente, seu amigo Mussa».

Isto feito, prosseguiram, com suas caravanas, pelos intérminos caminhos de Allah.

Alguns meses depois, de regresso às terras, novamente se viram forçados a atravessar o mesmo rio, naquele mesmo lugar perigoso e trágico.

E, como se sentissem fatigados, resolveram repousar algumas horas à sombra acolhedora do lajedo que ostentava bem no alto a honrosa inscrição.

Sentados, pois, na areia clara, puseram-se a conversar.

Eis que, por um motivo fútil, surge, de repente, grave desavença entre os dois companheiros.

Discordaram. Discutiram. Nagib, exaltado, num ímpeto de cólera, esbofeteou, brutalmente, o amigo.

Que fez Mussa? Que farias tu, em seu lugar?

Mussa não revidou a ofensa. Ergueu-se e, tomando, tranqüilo, o seu bastão, escreveu na areia clara, ao pé do negro rochedo:

"Viandante! Neste lugar, durante uma jornada, Nagib, por motivo fútil, injuriou, gravemente, o seu amigo Mussa».

Surpreendido com o estranho proceder, um dos ajudantes de Mussa observou respeitoso:

— Senhor! Da primeira vez, para exaltar a abnegação de Nagib, mandaste gravar, para sempre, na pedra, o feito heróico. E agora, que ele acaba de ofender-vos, tão gravemente, vós vos limitais a escrever na areia incerta, o ato de covardia! A primeira legenda, ó cheique, ficará para sempre. Todos os que transitarem por êste sítio dela terão notícia. Esta outra, porém, riscada no tapête de areia, antes do cair da tarde, terá desaparecido, como um traço de espumas entre as ondas buliçosas do mar.

Respondeu Mussa:

— É que o benefício que recebi de Nagib permanecerá, para sempre, em meu coração. Mas a injúria… essa negra injúria… escrevo-a na areia, com um voto, para que, se depressa daqui se apagar e desaparecer, mais depressa, ainda, desapareça e se apague de minha lembrança!
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— Assim é, meu amigo! Aprende a gravar, na pedra, os favores que receberes, os benefícios que te fizerem, as palavras de carinho, simpatia e estimulo que ouvires.

Aprende, porém, a escrever, na areia, as injúrias, as ingratidões, as perfídias e as ironias que te ferirem pela estrada agreste da vida.

Aprende a gravar, assim, na pedra; aprende a escrever, assim, na areia… e serás feliz!


Observação: Caso alguém estranhe, mantive a grafia original.

[]’s
Cacilhas, La Batalema